terça-feira, 25 de outubro de 2011

Homenagem a Ivan Barbosa

Recebi a triste noticia que na ultima sexta-feira, dia 21/10/2011, faleceu Ivan Barbosa, um grande homem da política juizforana e que fez história nesta cidade. Conheci Ivan por ocasião do desenvolvimento da minha dissertação de mestrado em História na UFJF. Tive a oportunidade de entrevista-lo durante pouco mais de uma hora no dia 03 de julho de 2009, um dos últimos registros existentes do próprio Ivan. Nesta ocasião, Ivan compartilhou comigo de suas memórias sobre sua trajetória política iniciada no Movimento Estudantil em tempos de Ditadura Militar no Brasil e me apresentou seu arquivo pessoal, com documentos que por ele eram guardados como verdadeiras relíquias, marcos de sua própria história de militância política e com relevância para a história da democracia em nosso país. Apesar da presidência do DCE da UFJF em 1974 e de seu mandato como vereador em 1976, Ivan sempre se mostrou um homem dos bastidores, e por sua visão política conquistou o respeito de diversos homens do cenário político desde a década de 1970 até os dias atuais.
Ivan é dos sujeitos que construiu história. Um pouco dela está presente no livro Memórias de Esquerda: o movimento estudantil em Juiz de Fora de 1974 a 1985, de minha autoria. Por isto, sinto-me no dever de escrever estas linhas sobre Ivan, relembrando o momento inicial de sua vida política. Como uma pequena homenagem à ele, busco fragmentos de sua história para lembrar um homem ao qual devemos todo reconhecimento pelo compromisso político com o qual sempre defendeu a democracia em nosso país.

O inicio de uma vida de militância

Nascido em 1949 na cidade de Juiz de Fora, Ivan Barbosa graduou-se em Direito na UFJF sem ter até então se envolvido com a política. Porém, após uma viagem ao exterior tomou ciência da realidade brasileira dos anos 70 e, ao regressar ao país, retornou também à vida universitária, para cursar História, na mesma instituição, em 1974, momento no qual ingressou na política estudantil.
Eu me formei em Direito em 1971. Quando eu fazia Direito eu só queria saber de boate, estava em outro esquema, depois fiquei dois anos fora viajando, fui pra Europa, foi lá na Europa que eu descobri que a barra tava pesada aqui. Eu não tinha noção do que estava acontecendo no Brasil. Depois viajei pela América Latina. Me formei com 22 anos na época... não sabia... sabia mas não tinha noção da gravidade. Aí voltei e fui estudar história e me chamaram pra entrar pro DCE e eu entrei pro DCE. (Ivan Barbosa, entrevista).

Ivan Barbosa é visto por seus contemporâneos sempre como o precursor de uma nova trajetória do Movimento Estudantil na cidade, iniciada com a gestão da qual foi presidente do DCE-UFJF em 1974. Este marco, percebido em muitas falas dos ex-militantes entrevistados, chama a atenção, pois Ivan Barbosa era vinculado, nesta época, a um grupo denominado genericamente por Marxistas e que já estava na direção do DCE desde anos anteriores. Dessa forma, a entrada de Ivan Barbosa na presidência do DCE não simboliza uma mudança radical na direção da entidade, já que o mesmo permaneceu com pessoas ligadas ao grupo já no poder antes de sua vitória. Contudo, a gestão de Ivan Barbosa foi marcada por ações mais visíveis do ME na cidade, como a aquisição, pelo DCE, de uma gráfica, que lhes proporcionou facilidade na divulgação de materiais com suas ideias e cultura; o início do Som Aberto, ligado a um movimento cultural que envolveu também a divulgação de poesias e outros eventos musicais; a realização dos jogos universitários; o retorno dos Diretórios Acadêmicos e a extinção dos Diretórios Setoriais, entre outros fatos.
Para Ivan Barbosa, a gráfica também foi uma herança de Zé Toninho, que a complementou e colocou em funcionamento.
O Zé Toninho, meu antecessor, comprou a gráfica, mas eu comprei a impressora, aí completou o negócio, nós tínhamos uma gráfica da melhor qualidade, papel à vontade, então nós rodávamos o que a gente queria: jornal, panfleto e convocação, e o negócio começou a dar certo. (Ivan Barbosa, entrevista de pesquisa).

Mas, para ele, o essencial de sua gestão, foi a criação dos DA’s em substituição aos DS’s existentes, já evidenciados em sua campanha, além do funcionamento da gráfica.
A reforma Universitária tinha acabado com os Diretórios Acadêmicos todos, eram todos Diretório Setorial, entendeu, só tinham quatro diretórios, o de ensinos fundamentais que era no ICHL, o outro que era na faculdade de direito que juntava o direito, economia, pedagogia, juntava tudo num diretório só. O da saúde juntava medicina, odontologia e bioquímica; e ciências exatas que era matemática, engenharia civil. Aí quando eu assumi, voltaram com os diretórios acadêmicos. Então fundamos alguns diretórios: educação física, ciências biológicas, jornalismo. (...) Assim, o principal foi quebrar os Diretórios Setoriais, voltar com os Diretórios Acadêmicos todos, botar a gráfica pra funcionar, porque você com a gráfica na mão, papel a vontade porque papel era barato, cada DA com autonomia, escrevendo o que quisesse. (Ivan Barbosa, entrevista).

Reginaldo Arcuri, líder estudantil que sucedeu Ivan na direção do DCE, afirma que a criação dos Diretórios Setoriais ocorreu na gestão anterior a de Ivan Barbosa e que possuía um objetivo específico. Zé Toninho, na intenção de conseguir mais verbas da reitoria, transformou os DA’s em DS’s, cedendo a uma exigência do decreto 228[1]. No entanto, foi por causa desta mudança que o DCE conseguiu adquirir a impressora off set para a gráfica.
A criação dos Diretórios Setoriais, indicada no decreto 228, buscava acabar com as formas de representação estudantil, visando minar o envolvimento e a aproximação dos estudantes com organizações de representação de cunho político na universidade. Em Juiz de Fora não foi diferente; reduzidos números e agrupados por área, envolvendo um número maior de estudantes, os DS’s os afastavam de sua representação.
A fundação dos Diretórios Acadêmicos na gestão de 1974/1975 começou a ventilar o Movimento Estudantil em Juiz de Fora, ampliando o espaço de participação dos estudantes e criando representações por cursos. Além disso, na memória de Reginaldo Arcuri, Ivan Barbosa sempre buscava algum ponto para manter a luta contra a ditadura através das ações do DCE da UFJF. “Era muito engraçado que o Ivan de vez em quando virava e falava ‘tá tudo muito calmo, esse negócio não tá certo. Vamos criar uma crise!’ Aí inventava alguma coisa, mas sempre nessa coisa de manter a tensão com a reitoria obviamente e com o conjunto das outras representações, digamos, da ditadura”.
Em 1974, percebe-se um ressurgir das ações culturais, também iniciadas pelo Movimento Estudantil e que marcaram o processo cultural da cidade de Juiz de Fora, bem como a reorganização política e mais expressiva desse movimento. Ivan Barbosa, no referido ano como presidente do DCE, buscando democratizar a universidade e a sociedade, investiu em ações culturais e lançou o Som Aberto, que para os estudantes representava uma forma de resistência, já que acreditavam que promover cultura era lutar por democracia. O Som Aberto reunia, aos sábados, um grande público estudantil na universidade, onde eram apresentadas poesias, teatros, música, dança, entre outros, pelos próprios estudantes que se lançavam num grande movimento pela cultura. O Som Aberto também foi palco de apresentações de artistas de expressão nacional, que se apresentavam no Central na cidade e depois, gratuitamente no Som Aberto, no Anfiteatro do ICBG. Em suas apresentações havia a preocupação de apresentar atividades culturais de qualidade, ao passo que utilizavam estes espaços para a divulgação de ideias políticas.
Ivan Barbosa foi o primeiro a abrir as portas para a inserção partidária dos estudantes na política local em 1976. Reginaldo Arcuri, que foi sucessor de Ivan na direção do DCE, destacava ao falar da campanha de Ivan, o slogan da campanha que o elegeu como vereador.

E nós estávamos muito focados era em gerar resultados, em conseguir avançar com essas coisas que favorecessem o final da ditadura, esse era o foco central. Tanto que foi um período que eu estava como presidente que a gente decidiu que o Ivan ia se filiar ao MDB para depois concorrer a vereador. Tanto que foi a única candidatura de esquerda unitária, na história de Juiz de Fora foi essa. E ele foi eleito o vereador mais votado, foi uma campanha genial. A gente fez um slogan, que a gente usou do irmão do Tarso Genro em Porto Alegre, que era “vote contra o governo”. E tudo nessa linha, que eu acho que nos distinguiu, e eu falo sempre no plural porque nessa época nós éramos um grupo, ninguém tinha carreira pessoal. (Reginaldo Arcuri).

A campanha para a eleição de Ivan Barbosa como vereador aglutinou muitos militante estudantis de grupos diferentes. Em sua memória eram destacados os receios, na época, de lançar sua candidatura e ser acusado de usar o Movimento estudantil para projeção pessoal, no entanto, sua candidatura como vereador foi vitoriosa. Porém, o MDB sofreu derrotas na prefeitura e conquistou poucas cadeiras na câmara municipal, o que dificultou sua atuação política.

Sai ou não sai candidato? Vai falar que está usando o movimento estudantil, não sei o que, aí o pessoal achou que valia a pena, e eu entrei pra vereador, em 1976, aí depois todo mundo entrou a política partidária. Aí veio essa turma toda, Reginaldo, Pestana, aí depois todo mundo entrou, Ignacio foi candidato a vereador, Paulinho virou deputado federal, todo mundo entrou e nós perdemos a eleição de 1976, eu ganhei pra vereador, mas o Tarcisio perdeu pra prefeito pro Melo Reis, aí eu fiquei isolado na Câmara (...), todo mundo batendo, eu tinha 26 anos, a campanha foi “vote contra o governo” então essa foi pesada porque aí o negocio foi ficando sério, eu já estava disputando pra vereador não era negocio de estudante. E esse panfleto não deixaram rodar em juiz de fora, tive que rodar em São João Nepomuceno, numa tipografia porque a gráfica todas recusaram. Quem redigiu, a maior parte é do Paulinho, na hora que você ver vai falar “é a mesma coisa”, trinta e tantos anos depois e continua a mesma coisa, precisa ter divisão de renda, desemprego, aquela coisa, agora o que chamava a atenção era o slogan “vote contra o governo”, ninguém podia ser contra o governo naquela época (...) o pessoal saía todo mundo escondido, saía, vai no ponto de ônibus numa hora determinada e tatatatata e na hora que nego chega já era já tinha distribuído e todo mundo guardava ninguém jogava fora e isso aí deu um retorno fantástico. (Ivan Barbosa, entrevista).

A campanha de Ivan Barbosa demonstrava uma forma de resistência ao regime, posicionando-se claramente contra o governo. Os atos de divulgação da campanha eram escondidos devido à censura. Destarte, sua campanha foi vitoriosa, e Ivan se tornou o vereador mais votado de Juiz de Fora até 1976.

Materias sobre a morte de Ivan:


[1]A LEI nº. 4464, de 9 de novembro de 1964, conhecida como Lei Suplicy, objetivou o fechamento das entidades estudantis. Foram criados o Diretório Nacional de Estudantes (DNE) e os Diretórios Estaduais de Estudantes (DEE’s), substituindo a UNE (União Nacional dos Estudantes) e as UEE’s (União Estadual dos Estudantes). Em meio aos protestos contra esta lei o governo lançou o Decreto Lei nº. 228 em 1967 que extinguia o DNE e os DEE’s, deixando os estudantes sem nenhuma entidade representativa legal.