domingo, 24 de julho de 2011

Resenha do historiador Zózimo Trabuco sobre o livro Memórias de Esquerda

Texto - resenha do historiador, doutorando em História Social da UFRJ, Zózimo Trabuco, sobre o livro Memórias de Esquerda.


Para quem, na trajetória acadêmica, participou em algum momento do movimento estudantil fica difícil comentar um livro sobre memórias desse movimento apenas do ponto de vista acadêmico. Por isso, ler o livro Memórias de Esquerda: o movimento estudantil em Juiz de Fora da historiadora Gislene Lacerda, minha colega de doutorado, foi também um processo afetivo, de em contato com as memórias dos atores por ela entrevistados relembrar minha própria experiência no movimento estudantil quase sempre fazendo analogias e comparações entre as experiências lidas e vividas. Meus breves comentários sobre o livro vão transitar por essas duas abordagens, acadêmica e afetiva, em dois texto diferentes, sendo este o primeiro.
O livro é fruto da dissertação de mestrado em história da autora na UFJF, o que significa ter muito pouco tempo para pesquisar e escrever sobre o objeto da pesquisa – apenas dois anos – o que quase sempre resulta no encaminhamento do pesquisador para um aprofundamento do objeto no doutorado; mais quatro anos. Essa escassez de tempo de pesquisa e escrita no mestrado foi bem resolvida no livro a partir de uma seleção de entrevistados e de temas perguntados aos depoentes, quantitativa e qualitativamente pertinentes. E também de uma preocupação historiográfica fundamental: entender como se construiu a memória do e/ou sobre o movimento estudantil durante a distensão da ditadura militar (1974-1984). Neste ponto, há uma correspondência entre a representação que os depoentes fazem de sua geração no movimento estudantil em comparação com a geração de 1968, e as conclusões da autora sobre o papel desempenhado pelo movimento no processo de abertura política: a geração pós-1974 foi um importante agente na redemocratização da sociedade brasileira conquistando, ao contrário da geração de 1968, seus objetivos mais diretos.
Falando mais especificamente sobre os temas tratados no livro, o significado de ser esquerda enquanto participante do movimento estudantil possuía continuidades e descontinuidades em relação aos grupos da esquerda partidária. Pensando o movimento estudantil como um movimento social inserido no espaço universitário, Gislene Lacerda mostrou que em Juiz de Fora, ser de esquerda apresentava uma identidade quando da presença de grupos de direita ou a ela associados na direção das entidades do movimento estudantil, e outras identidades quando da alternância entre grupos de esquerda ou a ela associados na direção dessas entidades. As pautas e as filiações políticas que significavam o posicionamento de esquerda mudavam de acordos com as disputas políticas entre as tendências. Esses conflitos aparecem nos depoimentos, e aqui há outra característica do livro que talvez se configure um novo desafio para a autora no doutorado. O quanto ela irá valorizar a memória em disputa do movimento estudantil, ou o quanto vai valorizar a história do movimento a partir da história oral. São aspectos que não se separam, mas que a depender das opções pode tornar um deles mais evidente que o outro no trabalho final.
Com mais tempo para pesquisar no doutorado e sob orientação da historiadora Maria Paula de Araújo - autora de Memórias Estudantis e A Utopia Fragmentada, especialista sobre esquerdas e suas memórias pós-1968 – essa correspondência entre memória dos depoentes e interpretação acadêmica pode vir a ser relativizada ou reforçada, mas é um aspecto que revela um desafio enfrentado por Gislene Lacerda, e que em geral é o desafio dos historiadores do tempo presente ou da história recente: a proximidade das referências de pensamento e prática dos sujeitos pesquisados e de seus pesquisadores. Como todo desafio, essa proximidade apresenta dificuldades e estímulos, e um deles é a compreensão de como se formaram as referências de pensamento e prática que nos parecem tão próprias do nosso tempo, como elas não são, mas vieram a ser ou nos chegaram por vias diversas e conflitantes.
Obrigada Zózimo!!

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